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Nº 37 | MAI - JUN 2018 | GRATUITA recordeuropa.com
Igor Rickli NA NOVA NOVELA DA RECORD TV
“É MOMENTO DE REVER CONCEITOS, PRINCIPALMENTE SOBRE RESPEITO E COMPAIXÃO”
SAIBA MAIS ACERCA DO VÍCIO QUE PODE AFETAR A EUROPA EM BREVE Fentanil
RÚSSIA 2018 TUDO A POSTOS PARA O MUNDIAL DE FUTEBOL ONDE PORTUGAL QUER FAZER HISTÓRIA
BASHAR AL-ASSAD O HOMEM NO CENTRO DE UM CONFLITO QUE ESTÁ A DIVIDIR O MUNDO
sumário
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©FootLab/FilipeVera-Cruz
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Perspetiva 4. Lisboa continua a subir em qualidade de vida 6. Venezuela na foto do ano
Opinião 4. Dados Pessoais: a primeira responsabilidade é nossa! David Perpétuo 18. Atravessamento César Ribeiro 36. Dois Minutos Cristiane e Renato Cardoso 49. O futebol para além
24. O problema do lixo espacial Toneladas de detritos criados pelo Homem vagueiam pelo universo ameaçando as missões espaciais
33. Porque um cruzeiro pode ser uma boa ideia? 34. 5 suplementos para uma pele radiante 36. Um chá resolve 38. O fim da Era diesel 40. Café com António Amorim
Planeta Record 26. O que há de novo na sua TV
Gente 8. Entrevista: Igor Rickli
O militar paraquedista que virou chef e criou um paste l de feijão gourmet que está a dar que falar
Atitude 28. Factos & Números: Mundial de futebol 2018 30. Um laboratório de futebol Conheça os atrativos de um espaço criado especialmente para os amantes de futebol 32. Dicas para um piquenique de sucesso
dos estádios António Gaspar
Partilha 14. A história de Bashar al-Assad Perfil do médico que estudou em Londres e se tornou num dos líderes mais contestados do mundo 20. Entrevista: Luís Graça, uma das maiores referências em Portugal na área da obstetrícia
44. Fentanil: o 'rei' das drogas 48. Países com os dias contados 50. Ana Bacalhau em Palco
Edição #37 maio/junho 2018 Diretor Leandro Maquinez Coordenação Carla Pinto JornalistaResponsável Ana Rita Dinis Redação (nesta edição) Mário Filipe Carneiro, Nuno Estêvão, Patrícia de Freitas e Sara Veloso CopyDesk Nuno Estêvão Design epaginação (nesta edição) Ângela Correia e Fernando Barata Marketing eapoio internacional Luana Miranda DireçãoComercial Deolinda Pinheiro (comercial@recordeuropa. com; + 351 210 346 052) Sites e redes sociais recordeuropa.com . facebook/recordeuropa . twitter/@tvrecordeuropa . instagram/@recordtveuropa TiragemMédia 50000 exemplares . Encarte nos principais jornais de Portugal Impressão Lidergraf, Rua do Galhano, 15, 4480 - 089 Vila do Conde, Portugal Depósito legal 327515/11 . Inscrição na ERC – 126071 Proprietária/editora Rede Record de Televisão Europa, S.A NIF 506 736 903 Morada sede/redação: Rua Mártires de Timor, nº 34, Quinta Figo Maduro, 2685 - 331 Prior Velho, Portugal . Conselho de Administração Marcelo Cardoso, José Branco, Leandro Ferreira, detida em 98,94% por AION FUTURE HOLDING, SGPS, S.A. Contactos sharemagazine@recordeuropa.com . +351 210 346 000 Estatuto editorial Disponível em: https://goo.gl/yK8k6P A Share Magazine e a sua proprietária não se responsabilizam pelos serviços e produtos anunciados, nem pelo teor das ideias onde esses sejam fundamentados. Também não se responsabilizam pelos conceitos e opiniões emitidos por entrevistados ou cronistas, os quais não refletem, necessariamente, a opinião do editor.
perspetiva EM FOCO
opinião
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David Perpétuo Diretor-Executivo da Record TV Europa
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Dados pessoais: a primeira responsabilidade é nossa! O escândalo Cambridge Analytica pôs o Facebook sob escrutínio mundial, depois de vários meios de comunicação social terem divulgado que a aplicação ‘This Is Your Digital Life’ - que esteve disponível na plataforma - copiou e disponibilizou a terceiros a informação de centenas de milhões de perfis de utilizadores e dos seus amigos. Dados que terão sido utilizados para criar publicidade política direcionada com base nos interesses que o utilizador manifestou nas redes sociais. Suspeita-se que, além das eleições norte-americanas, o ‘esquema’ possa ter sido usado na campanha do 'Brexit'. Este caso, que está longe de estar totalmente esclarecido, põe a nu um dos maiores desafios dos tempos modernos: a proteção dos nossos dados. Nem de propósito, neste mês de maio entra em vigor em Portugal o tão debatido regulamento, que reforça a proteção da informação pessoal dos 250 milhões de utilizadores da Internet na UE. Este novo dispositivo legal restringe a utilização dos dados por terceiros, concedendo mais direitos aos cidadãos, no que respeita à gestão da sua informação pessoal. E embora se consigam entender as críticas do sector empresarial - cujas obrigações e responsabilidades se veem redobradas no documento que prevê coimas elevadíssimas a quem não o cumpra -, sobretudo as que alegam falta de tempo para adaptação às novas regras, a verdade é que a polémica que levou pela primeira vez Mark Zuckerberg a responder no Congresso norte-americano confirma a importância de garantir a proteção da informação que geramos diariamente nas redes sociais. O novo regulamento, que provém de uma diretiva europeia, pode não ser perfeito, mas tem o mérito de dar mais um passo no sentido certo. Contudo, é importante que as pessoas não esperem que este, por si só, sirva para assegurar a integridade dos seus dados. Embora cumpra ao Estado a função de zelar pelo funcionamento não abusivo das empresas, a verdade é que a proteção dos dados pessoais deve, em primeiro lugar, ser assegurada por cada um de nós, enquanto adultos ou enquanto pais, no que respeita aos menores. Em primeira instância, a responsabilidade de avaliar o que divulgamos e a quem divulgamos é nossa. Afinal, ninguém dá a guardar a terceiros o seu bem mais precioso: a sua identidade.
Entre 231 cidades, a capital portuguesa ficou à frente de Paris, Londres, Milão, Madrid e Nova Iorque. LISBOA É A 38ª CIDADE COMMELHOR QUALIDADE DE VIDA DO MUNDO
D e acordo com a última edição do estudo ‘Quality of Living’ da Mercer, Lisboa subiu da 43ª para a 38ª posição, entre as melhores ci- dades para se viver. Apesar da volatilidade económica na Europa, devido às incertezas em torno do ‘Brexit’ e da instabilidade política, “ muitas das cidades euro- peias continuama ser destinos atrativos para ex- patriados”, refere o comunicado, onde se destaca queoitodascidadesdo top 10sesituamnaEuropa. O estudo anual, que nesta edição analisou 231 cidades, é liderado por Viena, pelo 9º ano conse- cutivo, seguida por Zurique (2º lugar), Auckland e Munique (ambas em 3º lugar), e Vancouver. | Xangai debaixo de água As últimas projeções sobre as alterações climáticas estimam que a temperatura mundial suba três graus até 2100. Se assim for, dezenas de cidades serão inundadas e milhões de pessoas afetadas. A este propósito, o jornal britânico ‘The Guardian’ criou uma infografia onde apresenta as cidades que seriam possíveis “Atlântidas”. Osaka, no Japão, e Alexandria, no Egito, são AQUECIMENTO GLOBAL
No topo e no fundo do ranking 1º Viena, Áustria 2º Zurique, Suíça 3º Auckland, Nova Zelândia 3º Munique, Alemanha 4º Vancouver, Canadá ( ... ) 227º Khartoum, Sudão 228º Port Au Prince, Haiti 229º Sana’a, Iémen 230º Bangui, República Centro-Africana 231º Bagdade, Iraque
Fonte: 'Qualityof Living',2018,Mercer
casos preocupantes, mas a maior catástrofe mundial aconteceria na cidade piscatória de Xangai, na China, onde residem quase 25 milhões de pessoas. Considerada, desde 2012, a cidade mais vulnerável às alterações climáticas, Xangai ‘assenta’ sobre o maior sistema de drenagem chinês: 15 km de tubos soterrados, que absorvem a água numa área de 58 km 2 .
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perspetiva FOTOGRAFIA
©RonaldoSchemidt
World Press Photo 2018 VENEZUELA A ARDER NA FOTO DO ANO
“O homem, ele tem uma máscara no rosto. É como se representasse não apenas a si próprio e a si próprio em chamas, mas a ideia de uma Venezuela a arder.” É assim que Whitney C. Johnson, diretor-adjunto de fotografia da ‘National Geographic’ e membro do júri do World Press Photo, descreve a imagem que considerou como a melhor do ano. Sob a máscara, está o rosto de José Víctor Salazar Balza, em chamas e em fuga, na sequência
o grande vencedor da mais recente edição do maior concurso de fotografia do mundo, de uma shortlist de seis finalistas. “Tudo se passou em poucos segundos, por isso eu não sabia o que é que estava a fotografar. Guiei-me pelo instinto, foi tudo muito rápido. Não parei de disparar até perceber o que estava a acontecer. Uma pessoa em chamas corria na minha direção”, descreve o fotógrafo da agência de notícias France-Presse, atualmente radicado no México. “É uma fotografia clássica, mas tem uma energia e uma dinâmica instantâneas. As cores,
o movimento... e a composição é óptima, tem força. Senti uma emoção imediata”, justificou a presidente do júri do prémio, Magdalena Herrera. “Há um pequeno detalhe na fotografia. Estava uma pistola na parede onde se lê ‘paz’. Isso também torna esta imagem forte”, disse Bulent Kiliç, outro dos jurados. “Dá-te aquela sensação de mais poder para o povo. Àqueles que se manifestam”, disse, por sua vez, o fotojornalista Eman Mohammed. José Salazar sobreviveu ao incidente com queimaduras de primeiro e segundo grau. |
Guarda Nacional da Venezuela. O incidente ocorreu a 3 de maio do ano passado, em Caracas, depois de o Presidente Nicolás Maduro anunciar que iria rever o sistema democrático no país, substituindo a Assembleia Nacional (liderada pela oposição) para reforçar os seus poderes. A população saiu à rua para reclamar e os manifestantes decidiu intervir para estancar o protesto. José Salazar, de 28 anos, encontrava-se entre a multidão. Atrás da câmara, está o seu compatriota Ronaldo Schemidt, protegiam-se com capuzes e máscaras de gás. A polícia
da explosão do depósito de combustível de uma mota da
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gente ENTREVISTA
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RICKLI IGOR “Quando queres realmente uma coisa, deves ir atrás e o universo acaba por te entender”
M al terminou ‘ORico e Lázaro’, começou a gravar a novela ‘Apocalipse’. O que o levou a aceitar este convite? Ia fazer um musical, mas apresentaram-me esta proposta. Gosto muito de televisão e es- tou a firmar-me aí agora. Então, profissional- mente, este projeto era mais interessante. Tem tido dias muito intensos? Bastante, estou a gravar todos os dias. Mas não tenho problema com isso, porque ado- ro trabalhar. Quanto mais trabalho, melhor. 'Apocalipse' está a todo o vapor. É uma novela contemporânea, diferente do que estou acostu- mado a fazer. Estou na minha terceira novela consecutiva na Record TV e jáme estou a sentir em casa, completamente confortável. Conheço toda a gente, então, é um clima muito bom. A sua família compreende essa ausência? Compreende, claro. A minha mulher é cantora [ n.r.: Aline Wirley] e também está num ritmo supercorrido, a fazer espetáculos pelo Brasil. Falamos ao telefone todos os dias, quase não nos vemos, mas ela entende. O meu filhinho, que é pequeno, fica a morrer de saudades, mas isso faz parte da vida. Que bom que estamos a trabalhar, não é?! [risos] ‘Apocalipse’ fala sobre as profecias do fimdo mundo. Acredita nisso? E não é que acredito?! Não propriamente no fimdomundo. De uma formametafórica, acre- dito que estamos a viver uma transição. As pes- soas veem isso de uma forma fantasiosa, mas eu vejo-o como uma evolução. Vejo que o mun- do está a atravessar um período de mutação, de novas descobertas e de necessidade de rever valores. A nossa sociedade está muito louca e acredito que essas coisas que vemos a acon- tecer, como as catástrofes naturais, mostram que o mundo está em transição. Acho que isso tudo é já parte desse processo, que não será de fim, mas apenas de transformação. Acredito que tudo se renova, tudo se transforma. E eu procuro ser otimista. [risos] O que mais o preocupa sobre o futuro da Humanidade? A única coisa que me preocupa é a forma como a raça humana encara o convívio, a falta de
O complexo vilão de ‘O Rico e Lázaro’ já se começou a preparar para o fim do mundo de 'Apocalipse', a nova novela da Record TV. Aos 34 anos, Igor Rickli é ele próprio uma contradição. É que por trás de uma fisionomia “que remete à vilania” está um homem superbem humorado, que acredita no poder das energias positivas. Está também um ator cheio de vontade, cujo talento vai muito além dos bonitos olhos azuis.
texto Ana Rita Dinis
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gente ENTREVISTA
comecei a estudar e a fazer algumas pequenas produções e não parei desde então.
respeito, a intolerância e a hipocrisia. Essas coisas preocupam-me porque acho que é isso que nos transforma, que nos deixa pre- sos numa esfera meio primária. Acho que, a partir do momento em que não aceita- mos as diferenças, não aceitamos o outro, ainda temos muito a rever. É momento de rever conceitos, principalmente sobre res- peito e compaixão. Nesta novela, a sua personagem vai sofrer uma grande traição. Para si, a traição é algo imperdoável? Depende muito do acordo que tens com a pessoa com a qual escolheste viver. Existem várias formas de traição. No meu caso, esco- lho viver na verdade com a minha mulher. Principalmente, somos cúmplices e parcei- ros. Falamos sobre tudo, e isso é um princípio muito bom para um casamento. A quebra de confiança é uma coisa muito triste, mas não é um dos pecados que mais me incomodam, porque já espero que as pessoas possam ter falhas e cometer erros pelo caminho. Não me impressiona quando alguém se submete a isso com a pessoa que escolheu para viver. Errar faz parte da condição humana. O importante é reconhecer e tentar acertar. Gravou algumas cenas de ‘Apocalipse' nos Estados Unidos. É um país que o fascina? Gravei em Nova Iorque, mas já tinha ido lá vá- rias vezes. Adoro os EUA, inclusive quero pas- sar um tempo lá, não só em Nova Iorque, mas também em Los Angeles. Nunca tive essa pre- tensão, mas agora estou com uma vontade muito grande, por isso estou a ter aulas de in- glês. Quero expandir no futuro, começar a fa- zer outras coisas, não só no Brasil. Não dá para pensar sempre pequeno, tens de ir aumentan- do. [risos] E em Portugal, já esteve? Não, mas quero muito ir. Tenho aí uma fã, que já virou amiga, Maria Irene Soeiro. É uma fãzo- na e tenho de visitá-la. Quero muito conhecer Portugal. Tou supercurioso. “Zac foi uma personagem que meio que me tomou... Só de falar arrepio-me, foram cenas muito difíceis...”
“Cheguei muito iludido, a achar que tudo seria mais lúdico e romântico”
Nessa altura, tinha muitas ilusões sobre a profissão? Bastantes. Como tinha um pensamento meio romântico, achava que as coisas eram mais lú- dicas, mas depois fui percebendo como funcio- nam realmente. Percebi que precisas de uma certa sagacidade para trabalhar nomeio. As pes- soas são todas muito profissionais, calejadas e preparadas. Então, não dá para chegar commui- tas ilusões; tens de chegar pragmático, com o pensamento para trabalhar... Eu cheguei muito iludido, a achar que tudo seria mais lúdico e ro-
mântico. Levei algumas rastei- ras e rapidamente me levantei e pensei ‘não, vamos trabalhar!’ que é o que eu gosto de fazer; eu amo omeu ofício. Isto é uma grande indústria e nós somos
uma peça dessa engrenagem. E, quando enten- di esse mecanismo, foi mais fácil para mim.
Aos 18 anos saiu do Paraná para São Paulo e aos 23 seguiu para o Rio de Janeiro. Essas mudanças foram difíceis? Foram, principalmente do Paraná para São Paulo. Saí de uma cidade muito pequena do interior, com 14 mil habitantes (Ponta Grossa) e fui parar à cidademais populosa do Brasil. Foi realmente uma grande diferença e precisei de um tempo de adaptação parame situar. Foi um bocado assustador no início, mas acabei por gostar, porque sou aventureiro por natureza. Como foram os seus tempos de modelo, em São Paulo? Passei muitas dificuldades financeiras. Como não quis ajuda da minha família, foi uma fase bem dura, não foi fácil. Contei com o apoio de muitos amigos, morei na casa de um e na casa de outro, contava moedas para poder andar de autocarro, para ir aos castings ... Mas acredito que as dificuldades que vais passando vão-te dando uma couraça, uma casca, e vais ficando cada vez mais forte. Isso ajudou-me a ficar fir- me e a seguir o meu objetivo. Estreou-se nas novelas em 2013 e já está a fazer a sexta. Como justifica esse rápido sucesso? Acho que é querer! Sou pela teoria de que quan- do queres realmente uma coisa, deves ir atrás e o universo acaba por te entender. Eu sou meio teimoso e pus na cabeça que queria trabalhar como ator. Acho que tenho trabalhado muito justamente porque escolhi isso. Não quis ficar
com uma vida boa, quis correr atrás e estou a viver exatamente isso, um momento de muita entrega ao meu trabalho. Parece fácil, mas não é. Trabalhar neste meio artístico, conquistar o teu espaço, conhecer as pessoas, fazer umbom círculo de amigos, contactos de trabalho... tudo isso leva tempo, exige paciência. Em março de 2016, assinou contrato com a Record TV para participar na novela ‘A Terra Prometida’. Como foi a mudança de emissora? O Brasil está realmente a passar por uma tran- sição, até na dramaturgia. Com a Internet e
Com que idade pisou o palco pela primeira vez? Comecei muito novo, em grupos de teatro amador, a fazer peças na escola. Com 16 anos
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PAI BABADO Igor Rickli é casado há oito anos com a cantora Aline Whirley, da banda brasileira Rouge, com quem tem um filho, Antônio, de três anos
nem aí, mas detestava como ele era covarde. Eu queria morrer cada vez que lia um final em que ele se escondia e pensava: ‘Mas que absurdo esse homem vai-se esconder, ele tem de ir para a luta, matar toda a gente!' [risos] Fiquei superzangado quando li que ele ficava escondido atrás da cortina, mas tudo bem... faz parte. [risos] Se pudesse ter outro papel em ‘A Terra Prometida’ qual teria sido? Ah, gostei tanto do meu ‘Marek’, mesmo,
sem maldade imposta. E isso fez com que as pessoas gostassem mais.
‘ORico e Lázaro’ era uma novela sobre atitu- des e consequências, o bem e o mal, o céu e o inferno. Acha que na vida tudo se resume ao certo e errado? Mais ou menos... Acho que a vida se resu- me a escolhas. Tenho um carinho muito es- pecial por ‘O Rico e Lázaro’. Foi uma novela que me arrebatou de coração. Zac era para ser um vilão odiado. Mas eu gosto de defen-
achei o máximo. Josué tam- bém é uma personagem incrí- vel, muito bom, e também gos- tei muito do Calebe, mas não consigo escolher. Apego-me a todas as minhas personagens.
“Apego-me a todas as minhas personagens. Fico aproximando a vida delas com a minha”
serviços como o Netflix está tudo a mudar. As emissoras já não fazem contratos longos. Hoje existe uma nova realidade que é o mercado, e os atores estão no mercado. É difícil existir um ator de uma 'casa' específica e isto é algo novo. Estamos a descobrir esta nova postura. Eu co- mecei a sentir isso logo desde o princípio, então entendi a transição com naturalidade. O que mais gostava e o que mais odiava na sua personagem rei Marek? Eu adorava o Marek! Fazer um rei é muito bom, é o 'maior barato'. [risos] Gostava de como ele era lascivo, promíscuo e não estava
Fico apaixonado, fico aproximando a vida de- las com a minha, é um processo muito engra- çado. [risos] Na sua opinião, porque é que as novelas his- tóricas têm tanto sucesso? Acho que as pessoas enjoam facilmente das coisas e toda a gente estava um pouco satu- rada da forma como se estavam a fazer as no- velas no Brasil. Esse fôlego histórico, esse ar lúdico de fantasia, de reviver um tempo pas- sado chamou a atenção do público. Os textos erammais ingénuos, mais leves, mais solares,
der que só porque uma pessoa é do mal não quer dizer que ela não tenha coisas boas, ou bons sentimentos. Atitudes erradas não significam que as pes- soas sejam essencialmente más... Acho que existe de tudo dentro de nós, tentei de- fender isso no Zac e o resultado foi muito bom, porque noBrasil as pessoas sentiramcompaixão por ele, torciam para que ele se regenerasse. Só de falar arrepio-me muito, porque foram cenas muito difíceis. Foi uma personagemque chegou e meio que me tomou, era muito conflito, muita
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HACKER AO SERVIÇO DO BEM
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adora a irmã Isabela (Paloma Bernardi) e tem uma ligação forte com o tio, Uri (Emilio Orciollo Neto) e com a avó, Lia (Lucinha Lins). Cresce ao lado da amiga Zoe ( Juliana Knust) , com quem
Habituado a ser o vilão da história, Igor Rickli interpreta um bom rapaz na novela 'Apocalipse'. Considerado um génio, Benjamin Gudman aprendeu programação aos dez anos. Ateu,
viverá um grande amor. Nos tempos
de estudante torna-se num hacke r 'do bem' e invade sistemas para ajudar quem precisa. Uma grande traição vai obrigá-lo a ponderar toda a sua vida.
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Seg. a Sex. | 21:00
dor, muita tristeza, medo e inveja... Foi mesmo uma das personagens que mais gostei de fazer.
movimento hippie com outros olhos. Na televi- são, foi o Zac que mais me mudou. Ele ensinou- -me muita coisa. Fui muito feliz nessa novela ['O Rico e Lázaro'], tínhamos um clima mui- to bom nos estúdios. De amizade com o Dudu Azevedo, com a Milena Toscano, com toda a equipa. É uma novela que eu guardo no lugar mais especial do coração até hoje. O que é mais importante para um ator: uma boa dose de ego ou de humildade? É relativo... Não adianta ser humilde demais, se- não és engolido; também não adianta ser ego- cêntrico demais, senão és atropelado. [risos] que ninguém e que estamos ao ofício da arte. Não vejo o ego como uma coisa pejorativa. Acho que é importante saberes valorizar-te, saberes do teu potencial, acreditares em ti, o que é di- ferente de achares que és melhor do que os ou- tros. Não acho bom seres humilde demais, não quereres aparecer... Temde haver umequilíbrio. É casado coma cantora AlineWirley. Émais fácil oumais difícil gerir uma relação quan- do ambos trabalham no meio artístico? Cada relação é de uma maneira. No meu caso, é muito bom, porque aí ela entende, ela tam- bém está na ativa. Porque é mau quando só É preciso sabedoria, bom sen- so, pois há momentos em que temos de nos posicionar e há outros em que temos de pôr o 'rabinho entre as pernas', saber que não somos melhores do
uma pessoa está nesse mundo e a outra fica em função de quem está no estrelato, traba- lhando. Agora, quando os dois estão, isso pos- sibilita uma troca legal, leve, e quando a gente se encontra é sempre muito gostoso. A nossa relação funciona superbem assim, os dois a trabalhar no mesmo meio. O que o seu filho Antônio veio acrescentar à vossa vida? Ele foi a melhor coisa que a gente já fez. Se há uma coisa em que eu acertei na vida foi no meu filho, porque ele é um reguila muito por- reiro, é muito gente boa. Ele ensina-me muita coisa, trouxe-me muita serenidade, ensinou- -me a ter mais hombridade e responsabilida- de. Ele é uma cópia de nós dois. Foi um dos maiores presentes que a vida me deu. Em que tipo de homem gostaria que ele se tornasse? Ele pode ser o que ele quiser, não quero perspe- tivar nada de mais para a vida dele. Ele tem de cumprir o seu objetivo, mas gostava que fosse um bom rapaz, respeitoso e inteligente. Quero que seja feliz, acima de tudo. Uma pessoa que esteja de bem com a vida, que trate bem a vida para que a vida o trate bem a ele também. |
Já tomou decisões das quais se arrependeu? Não, nenhuma. Acho que gosto até das decisões erradas, porque aprendi com elas. Aprendo sempre com as ‘borradas’ que faço. [risos] Acredita na teoria da 'lei do retorno', que te- mos o quemerecemos e recebemos o que da- mos ao universo? Acho que temos exatamente o que precisamos para a nossa evolução. Tudo faz parte de um processo evolutivo. Então, procuro estar aten- to, não reclamar, aceitar e tentar transmutar. Pelo menos é a minha filosofia de vida, é o que procuro fazer. Fez dois vilões seguidos. Sente que esse é um perfil que lhe encaixa bem? Acho que sim, eu tenho uma fisionomia que remete à vilania. Por causa das sobrancelhas e do olhar assim forte. [risos] Acho que isso cha- ma a atenção das pessoas para a maldade, só a minha cara mesmo. [risos] Toda a gente diz: ‘Tu não tens cara de bonzinho’. E eu respondo: ‘Mas eu sou ótimo, pessoal!’ [risos] Qual dos papéis que fez até agora mais afe- tou a sua personalidade? Interpretei um hippie nomusical ‘Hair’ que me transformou completamente. Eu era mais cer- tinho na vida e essa personagem ensinou-me a ser mais descontraído. Comecei a olhar para o
[Sobre o filho Antônio] “Ele é uma cópia de nós dois. Foi um dos maiores presentes que a vida me deu”
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É médico, estudou em Londres e tem resistido a sucessivas pressões para que abandone o poder na Síria. Líder de um país destruído pela guerra que persiste em continuar, tem em Vladimir Putin um aliado que o segura na presidência. BASHAR AL-ASSAD O HOMEM NO CENTRO DO CONFLITO SÍRIO
texto Nuno Estêvão
Quemmanda na Síria UM PAÍS RETALHADO POR FORÇAS E INTERESSES ANTAGÓNICOS
FORÇAS SÍRIAS CURDAS GOVERNO SÍRIO ESTADO ISLÂMICO FORÇAS SÍRIAS REBELDES
Fonte: IHSConflictMonitor (março,2018)
Q uandoa11desetembrode1965,emDamasco, Anisa Makhlouf dava à luz o seu terceiro fi- lho, estava longe de imaginar que o pequeno Bashar se tornaria num dos líderes mais polé- micos do século XXI. Filho do Presidente sírio Hafez al-Assad - ambicioso major-general da Força Aérea, que chegou ao poder por via de um golpe militar, em março de 1971 -, Bashar al-Assad preside aos destinos da Síria desde 2000. Porém, é interna e externamente alvo de uma imensa contestação e é acusado de ser o responsável por um dos maiores genocídios no pós-II GuerraMundial. OObservatório Sírio dos DireitosHumanos estimamesmo que já tenham morridomais de 350mil pessoas desde o come- ço das hostilidades, sendo mais de 105 mil civis.
em2000 e 2016. Bushra, amais velha, encontra- -se exilada no Dubai, depois de o marido, Assef Shawkat, vice-ministro da Defesa, ter sido assas- sinado, em 2012, na sequência de um aten- tado à bomba na capital síria. Maher, o mais novo, é atualmente o segundo homem mais poderoso na Síria. É general e Bashar al-Assad atribuiu-lhe a chefia da Guarda Presidencial do país. Os restantes irmãos já morreram - Bassel em 1994, num acidente de viação, e Majd em 2009, devido, oficialmente, a uma doença prolongada. O desaparecimento de Bassel, o irmão mais velho de Bashar, apontado pelo pai como seu sucessor natural no topo do poder sírio, foi de- terminante para a chegada do atual Presidente
Comsete anos de conflito, uma resolução pa- cífica para a complexa guerra na Síria revela-se difícil de concretizar, uma vez que há demasia- dos interesses em jogo e nenhuma das partes parece disposta a ceder. Perante a existência de várias 'guerras' dentro deste conflito, Bashar al-Assad, legitimado, em 2014, pelo resultado de eleições contestadas por boa parte da co- munidade internacional e apoiado pelo pode- rio militar russo, tem utilizado todas as armas para exterminar aquilo a que chama de 'forças terroristas' em território sírio. O NOVO SUCESSOR Bashar, 52 anos, foi o terceirode cinco filhos de Hafez e Anisa - ambos falecidos, respetivamente,
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3 perguntas para entender o conflito sírio
Como começou? Impulsionada pelos ideais democráticos da 'Primavera Árabe' e descontentamento face ao regime totalitário sírio, parte da população saiu às ruas, em 2011, para exigir maior liberdade. Reprimidos com extrema violência, os protestos evoluíram para a luta armada. Por outro lado, a maioria da população síria é árabe sunita (tal como na Arábia Saudita, aliada dos EUA no Médio Oriente) e uma pequena minoria é árabe xiita (apoiada pelo Irão, país com boas relações políticas com a Rússia). A família de Assad é alauita, uma derivação do ramo xiita. Esta divisão entre a população síria é outro dos focos de tensão que alimenta esta guerra. O que está em causa? Se no início este foi um conflito civil/ regional, ao fim de algum tempo acabou por escalar para uma guerra internacional. Ao lado de Assad estão Rússia e Irão, que prestam apoio militar e financeiro, e também combatentes do Hezbollah (organização libanesa classificada de 'terrorista' por americanos e israelitas). EUA, França, Reino Unido, Marrocos, Tunísia, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita integraram uma coligação para combater o Daesh, e apoiar alguns grupos rebeldes. Também a Turquia, sob pretexto de defesa da sua segurança interna, invadiu o norte da Síria para combater movimentos curdos. A relevância geoestratégica do país, o combate ao terrorismo e a estabilidade do Médio Oriente são argumentos utilizados pelas forças em conflito para justificar a guerra. Qual o interesse dos EUA e da Rússia? Os EUA e as forças aliadas entraram na guerra em 2014, liderando uma coligação internacional, alegadamente para combater o Daesh, que à época dominavam uma parte importante do território sírio e iraquiano. A Rússia juntou-se em 2015 a Assad. A aviação russa e síria bombardearam várias cidades, em zonas dominadas por oposicionistas ao governo, causando milhares de vítimas inocentes. Putin também invocou a guerra ao terrorismo para justificar a intervenção russa.
à liderança do país. Depois de se especializar emoftalmologia, na universidade de Damasco, em 1988, Bashar serviu como médico no exér- cito até que, em 1992, viajou para Inglaterra a fim de continuar os estudos em medicina. Porém, após a morte de Bassel, regressaria à Síria, por ordem do pai, para ocupar o lugar destinado ao irmão. Recebeu treino no exér- cito e foi nomeado coronel. Até então pouco envolvido nos destinos do país e relativamen- te desconhecido dos sírios, Bashar al-Assad liderou uma campanha anticorrupção que resultou no afastamento de várias figuras li- gadas ao regime e liderou a Sociedade Síria de que para tal a Constituição tenha sido altera- da, pois impossibilitava que os candidatos ao cargo Presidencial tivessemmenos de 40 anos. Assim, aos 34, Bashar al-Assad tornou-se líder da Síria. No mesmo ano, chega a secretário-ge- ral do partido Baas - a força motriz do regime e a única a concorrer às eleições -, e em junho inicia um mandato de sete anos. REVOLTA POPULAR Embora o processo de sucessão tenha mere- cido muitas críticas, o percurso académico do novo Presidente e o facto de ter estudado na Europa contribuíram para que fosse encarado como uma solução governativa menos opres- sora, capaz de democratizar o regime ditato- rial que governava a Síria. As promessas de que Computação, o que lhe valeu a imagempública de umhomem justo e modernizador, capaz de dar um novo rumo ao país. Com a morte do pai, o tercei- ro filho assumiu o poder, ainda
iria implementar reformas no Estado e permi- tir a liberalização da economia indiciavamuma abertura semprecedentes, combenefícios para a população. Porém, poucos meses depois de estar à frente dos destinos do país, o cariz con- servador e autocrático do Estado mantém-se. Nos anos seguintes, vários membros do topo da hierarquia do regime são afastados e subs- tituídos por reconhecidos leais ao Presidente e vários familiares seus. Esta consolidação do poder em torno do líder máximo aumentou o clima de tensão interna na Síria. Apesar da contestação da oposição e de boa parte da comunidade internacional, em 2007 o Presidente é reconduzido no cargo, por mais sete anos. Em 2011, a reboque da 'Primavera Árabe', a oposição ao regime ganha força e muitos sírios manifestam nas ruas o seu des- contentamento face ao rumo político do país. Essa expressiva vontade popular é duramen- te reprimida, reação que abre caminho a uma guerra complexa, inicialmente civil, que com o tempo colocou em conflito várias fações. O Daesh aproveita-se do caos vivido na Síria e passa a controlar partes significativas do ter- ritório, ao mesmo tempo que intensifica a sua ação terrorista no Ocidente. Em 2014, os EUA, sob pretexto de combate à organização terrorista, lideraram uma coli- gação que incluía países como o Reino Unido, França eMarrocos, e bombardearamterritórios A FAMÍLIA AL-ASSAD ESTÁ NA PRESIDÊNCIA HÁ QUASE MEIO SÉCULO E BASHAR NÃO OLHA A MEIOS PARA SE MANTER NO PODER
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César Ribeiro Docente universitário Universidade Europeia Laureate International Universities
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LIDERANÇA
Atravessamento
MUSCULADA Destruída por uma guerra civil sangrenta, a Síria continua a ser palco do poder de Bashar al-Assad, que controla os destinos do país há quase 20 anos
É comum a força da juventude conduzir a um 'atravessamento' do indivíduo em temas ou situações que não domina, ou cuja abrangência excede a dimensão ou capacidade daquele. É tão comum que é habitual dizer-se: “é jovem, não pensa”. Não digo que a reflexão inicial não justifique o ditado, mas talvez não devamos desprezar igual reflexão sobre o contrário, até por que é com os jovens que se faz o futuro. Vejamos como a capacidade de 'atravessamento' vai diminuindo com a idade, até se esgotar. Apesar da temperatura agradável e dos dias de sol já nos agraciarem, num daqueles sábados cinzentos há umas semanas fui 'queimar tempo' (não calorias, como deveria) numa loja de desporto. Parei, estupefacto, a contemplar a diversidade de bicicletas que o mercado oferece. Havia para todos os gostos, idades e tamanhos. Dava vontade de comprar. É claro que saí de mãos nos bolsos, tal como entrei. A vontade de fazer exercício abandonou a loja primeiro do que eu... Saí a pensar que no passado aprendíamos a pedalar na bicicleta dos mais velhos. Às vezes, na mesma bicicleta que os nossos pais aprenderam. E de que forma? Recorrendo à 'técnica do atravessamento'. Era ou não era? Como não tínhamos tamanho suficiente, atravessávamos o quadro da bicicleta, enfiando uma das pernas até tocar no pedal do outro lado. Dávamos um pequeno balanço e toca a pedalar. Íamos tortos, mas íamos. Não era perfeito, mas que nos sentíamos os maiores do bairro, disso não há dúvida. A seguir, vinha a idade do 'já estou crescido para atravessar o quadro da bicicleta' mas 'não tão crescido para sentar no banco e chegar aos pedais'. Não havia problema. Bastava algo ou alguém para ajudar a subir e já está. O que custava era a primeira pedalada. Isto tudo para refletir que o 'atravessamento' tem uma idade própria e que até envolve o indivíduo com uma certa graça. Confere-lhe um estatuto, mas é momentâneo. Depois disso, é hora de prudência, de sentar no banco, colocar os pés nos pedais, as mãos no volante, o olhar no horizonte e manter um equilíbrio saudável ao andamento. Vai ver que mal precisa de pedalar.
dominados pelo Daesh. Nesse mesmo ano, no meio de uma guerra que já matara milhares de sírios, Bashar al-Assad vence novamente as eleições presidenciais - as primeiras multipar- tidárias em décadas, com dois concorrentes desconhecidos da população, realizadas apenas nos territórios controlados pelo regime -, con- quistando perto de 90%dos votos. Porém, uma vezmais, os resultados que o reconduzema um
importantes cidades, casos de Aleppo, Homs, Ghouta ou Afrin. DANOS COLATERAIS Uma das maiores acusações feitas ao Presidente sírio - considerado por muitos um ditador, líder de umregime opressor e violento - é a quebra de várias convenções do direito inter- nacional, como a utilização de armas proibidas
(como armamento químico) e o ataque a civis. Os cercos a várias cidades, seguidos de demolido- res bombardeamentos aéreos, são disso exemplo, tendo re- sultado na morte de dezenas
DESDE O INÍCIO DO CONFLITO (MARÇO DE 2011) JÁ MORRERAM MAIS DE 350 MIL PESSOAS, ENTRE ESTAS 105 MIL ERAM CIVIS
terceiro mandato são duramente contestados e não colhem consenso internacional. Um ano depois, a Rússia entra em cena, apoiando ine- quivocamente o líder sírio. TRUNFO RUSSO Tal como sucedera com o seu pai, que bus- cou na ex-União Soviética umaliadomilitar que permitisse à Síria posicionar-se como uma das grandes potências regionais do Médio Oriente - e fazer frente ao inimigo Israel e à rival Arábia Saudita -, tambémBashar al-Assad contou com o apoio russo desde o início do conflito sírio, em março de 2011. No começo o Kremlin limi- tou-se a apoiar financeiramente, a fornecer ar- mas e a disponibilizar treino militar às tropas governamentais sírias, mas a partir do final de 2015 os russos começaram a participar ativa- mente no conflito, com o reforço do contingen- te mobilizado na base aérea de Hmeymim e na base naval de Tartus. A entrada da aviação rus- sa na guerra deu novo fôlego aos militares leais a Bashar al-Assad, que, a partir daí, reconquis- taram o controlo de vários territórios e conse- guiram encurralar as forças oposicionistas em
de milhares de sírios e no maior êxodo popula- cional desde o fim da II Guerra Mundial, com milhões de civis sírios deslocados e refugiados. Também o seu pai, em 1982, naquele que ficou conhecido como o massacre de Hama, havia bombardeado a população, causando milhares de mortos civis. Bashar al-Assad legitima o recurso às armas pela necessidade de manter a ordem em terri- tório sírio e como única forma de combater as 'forças terroristas' - nas quais inclui organiza- ções terroristas, como o Daesh ou a Al-Qaeda, mas tambémváriosmovimentos armados sírios que lutampara libertar o país de quasemeio sé- culo de domínio musculado da família Assad. A Organização das Nações Unidas já acusou o Presidente sírio de usar armas químicas con- tra civis, desrespeitando convenções interna- cionais, e foram-lhe imputados vários crimes de guerra e contra a Humanidade. Mas o poder de veto da China e, principalmente, da Rússia tem suavizado sanções mais vigorosas contra o governante, a quem Donald Trump já apelidou de 'animal'. Assad poderá permanecer no poder, pelo menos, até 2021. |
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LUÍS GRAÇA “ Por muito que me custe admitir, o SNS está ameaçado ” Professor jubilado da Faculdade de Medicina de Lisboa, é uma das maiores referências em Portugal no acompanhamento de mulheres grávidas. Como médico obstetra tem no currículo milhares de partos e é uma das vozes que critica o elevado número de cesarianas feitas no país. E a mercantilização excessiva de algumas áreas da maternidade.
texto Nuno Estêvão
E mPortugaldiz-sequehádemasiadosnas- cimentospor cesariana, umprocedimen- to que, quando não possui indicaçãomédica, não é uma boa opção para a mãe e o bebé. Como é que analisa esta questão? Em 2015/16, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) teve uma média na ordem dos 25% de taxa de cesarianas, o que é perfeitamente acei- tável. Muitas vezes, diz-se que a Organização Mundial da Saúde propõe que não deve exceder os 15%, mas isso é um disparate por dois moti- vos: é uma recomendação dos anos de 1980 que junta dados globais, e sabemos que em certos países de África a taxa de cesarianas ronda os 4%; e não é uma taxa realista para países civili- zados, que temde ser, forçosamente, umpouco superior. Mesmo na Finlândia, que é o país na Europa com a taxa menor, anda nos 18%. Para a Europa e para os EUA, é aceitável um núme- ro entre os 20 e os 25%. Uma taxa dentro des- tes valores é aceitável para os países da OCDE e temos de nos lembrar que é sempre uma mé- dia. Por um lado, é bom que não se façam tan- tas operações, mas não podemos comprometer a vida, o bem-estar e o património neurológi- co das crianças. Não podemos querer baixar a
taxa de cesarianas à custa de aumentar a mor- talidade ou a morbilidade dos bebés. Se conse- guíssemos ter à volta dos 25% seria excelente, mas atualmente temos 34%, à custa dos 66% da taxa verificada nos hospitais privados. A subida registada deve-se ao facto de asmu- lheres seremmães cada vez mais tarde? Esse é um dos fatores, que arrasta outras si- tuações. A partir dos 35 anos, o aparelho re- produtor da mulher começa a deixar de estar
tido dois filhos - um por parto vaginal e outro por cesariana - como foi o seu pós-parto, ela dirá que a cesariana é pior do que um parto normal. O argumento do lado do conforto é um disparate. Em Portugal, na grande maio- ria dos hospitais públicos e privados, está dis- ponível 24 horas por dia a analgesia epidu- ral - portanto, aquela coisa da dor do parto é extremamente residual. O pós-operatório de uma cesariana implica mais dores e descon- forto, e a mãe fica mais tempo acamada com-
na sua ótima condição e jun- tam-se outras doenças pró- prias da idade um pouco mais avançada, como a hipertensão associada à gravidez, diabetes gestacional ou restrição do
“O pós-operatório de uma cesariana implica mais dores e desconforto, e a mãe terá de ficar mais tempo acamada”
crescimento fetal (bebés que crescem mal). A partir dessa idade, a prevalência destes pro- blemas é superior, o que faz com que estas gestações sejam classificadas de 'alto risco'. Existe a ideia de que o parto por cesariana é mais 'confortável' para amulher, emcompa- ração com o natural. Há verdade nisto? Se perguntarmos a uma mulher que tenha
parativamente a um parto vaginal - estamos a falar de partos vaginais não complicados. Por outro lado, também há cesarianas complica- das; pode não ser só 'abrir a barriga e tirar o bebé'. A possibilidade de haver complicações cirúrgicas (como rutura da bexiga ou do in- testino, hemorragia ou infeção pós- parto) são coisas a ser ponderadas quando se vai fazer uma cesariana sem justificação clínica. Todas
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apenas um ano, a mortalidade neonatal bai- xasse para metade. Os avanços da medicina e a melhor educação médica também foram fundamentais. Por estar ligada ao nascimento da vida, sen- te que a obstetrícia é encarada de forma di- ferente de outras especialidades médicas? Quando a Medicina era uma profissão per- sonalizada, direta e concreta de médico para doente, e não para um computador, isso era de facto importante e as pessoas encaravam o médico como sendo alguém com uma ca- pacidade para tratar delas. Hoje, a Medicina está a ser feita com o sentido de quantidade - nos hospitais há fábricas em vez de haver consultas médicas. Perdeu-se muito a ligação entre médico e doente. Por outro lado, uma pessoa que tem um cancro grave, faz tera- pia, é operada e fica curada é evidente que vai pensar nos profissionais que a trataram. Mas, felizmente, nem todas as situações de medicina são dramáticas. Os testes de rastreio pré-natal não invasivo, paradespiste de doenças cromossómicas, fa- zem sentido? Fazem. Até há 15 anos, grande parte das am- niocenteses [ n.r. : retirar líquido amniótico com uma seringa] para diagnóstico cromos- sómico eram feitas exclusivamente com base na idade materna. Uma mulher grávida com 35 anos ou mais tinha logo de a realizar para fazer o rastreio de problemas congénitos, prin- cipalmente trissomia 21. Quando apareceram os testes de rastreio pré-natal - e não se deve confundir rastreio com diagnóstico - as pes- soas achavam que ia evitar a amniocentese. Mas apenas evita aquelas que se faziam só pela idade materna. Fazendo este rastreio, seja o combinado do primeiro trimestre, sejam estes novos testes de ADN fetal que apareceram há uns anos, é evidente que vamos identificar fe- tos que têm uma percentagem elevada de ter uma doença cromossómica, mas isso não im- plica que não se faça uma amniocentese pos- terior, pois o rastreio só serve para identificar o risco. Quando os testes de rastreio identifi- cam um risco elevado, tem de se usar uma téc- nica invasiva. As pessoas podem perguntar-se se o rastreio clássico do primeiro trimestre de gravidez é pior, igual ou melhor do que estes
LONGA CARREIRA NO SNS O presidente da Sociedade Portuguesa de
vezes maior probabilidade de sofrer de sín- droma de dificuldade respiratória neonatal do que se tivesse nascido de parto normal. Não é pelo facto de a mulher ter o direito à escolha que vamos comprometer a saúde do bebé. A ética em obstetrícia pressupõe que quando uma mulher se apresenta a um mé- dico e lhe confia o seguimento da gravidez está também a transmitir-lhe automatica- mente a responsabilidade sobre o bebé que está na sua barriga. Nestas situações, os mé- dicos têm de decidir sobre os dois pacientes sobre quem têm responsabilidade: a mãe e o bebé. E a mãe não deveria ter a possibilidade de decidir só por ela, sem pensar no bebé. Há pouco falou na questão da informação. A Internet pode ser... [interrompe] A Internet é um desastre! Oitentanta por cento da informação médi- ca que há na Internet - e isto é uma coisa que está calculada há uma década - ou está Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal conhece como poucos as virtudes e os defeitos do Serviço Nacional de Saúde. Entrou no Hospital de Santa Maria como aluno de Medicina e por lá ficou, entre a prática clínica, direção de serviço e o ensino, mais de quatro décadas. ram determinada coisa na Internet dou-lhes sempre este exemplo: se conseguir decorar todas as palavras de 'A' a 'Z' do dicionário português-russo, no fim saberá as palavras todas, mas não saberá falar russo, porque irá faltar a gramática. É a mesma coisa que os leigos irem à Internet buscar informação médica. Depois, falta-lhes a base para con- seguirem integrá-la. O pior é que, muitas ve- zes, baseando-se nessas informações, argu- mentam contra a opinião médica. Ao nível da mortalidade infantil, Portugal fez nas últimas décadas um trabalho notá- vel. A que se deveu esse sucesso? O encerramento, nos anos de 1980 - era o dr. Albino Aroso secretário de Estado da Saúde, da ministra Leonor Beleza -, de mais de 150 locais onde se faziam partos, grande parte deles nas piores condições, foi muito im- portante. A concentração dos partos em lo- cais diferenciados contribuiu para que, em errada ou é deliberadamen- te falaciosa para enganar as pessoas. Muitos seguem o 'dr. Google' sem terem capacida- de para saber o que é verda- de. Quando me dizem que le-
“Oitenta por cento da informação médica que há na Internet ou é falsa ou é deliberadamente falaciosa”
as cesarianas que tenham indicação clínica devem ser feitas. Nos hospitais privados - e note-se que eu faço clínica privada, pelo que não estou a falar contra o sector privado, mas sim contra a desregulamentação relativamen- te ao tipo de parto -, fazem-se diagnósticos de problemas que são um bocadinho fictícios... Testemunhei isto inúmeras vezes. Mandar in- ternar a mulher, para a indução do parto, e marcar automaticamente o bloco operatório para fazer uma cesariana, para duas ou três horas depois. Isto é fingir que se faz uma in- dução do parto para depois fazer uma cesaria- na intraparto, que é mais bem paga. Há coisas que podem ser invocadas para justificar uma cesariana que não são razões clínicas sérias. E o direito à escolha por parte da mulher? É pertinente trazê-lo para a discussão? O direito à escolha não pode ser uma coisa abstrata. A escolha tem de ser devidamen- te informada e esclarecida. Uma cesariana implica, para além da mulher, outro pacien- te, que é o bebé. Numa mulher grávida que seja sujeita a uma cesariana, no termo da gravidez, o seu bebé vai ter quatro a cinco
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novos testes de ADN fetal no sangue da mãe. Na verdade, são equivalentes e muito mais ba- ratos. As pessoas podem dizer 'mas o ADN fe- tal é diretamente do feto por isso deve ser me- lhor'. Pode e pode não ser, pois para que esse teste seja fidedigno é necessário que haja uma taxa de ADN fetal no sangue materno de 6% - quando não chega a esse valor, que é a maio- ria dos casos, a fiabilidade não é a publicitada pelas marcas. No que respeita à trissomia 21, se tiver 6%, a fiabilidade é de 99,5%, se for 5% baixa para 80%, se for 4% baixa para 60%... E os laboratórios não dão essa informação. Apesar de sermuito impressionante, pelo ta- manho da agulha, a amniocentese é pratica- mente 100% segura? A literatura internacional indica que pode haver um risco de perda fetal entre 0,5 e 1% - em grupos entre 100 a 200 bebés, num deles a gravidez vai acabar. Mas neste risco inclui- -se aquelas em que a causa se deve ao méto- do invasivo, mas também aquelas em que o feto se iria perder espontaneamente. O risco de perda fetal por causa da amniocentese é realmente muito baixo. E vale a pena fazer sempre que temos um risco aumentado dos rastreios, porque assim vamos ter um méto- do de diagnóstico. Os pais são também confrontados com a criopreservação, uma tecnologia que quan- do apareceu remetia para uma possível uti- lização futura... Já passaram uns 15 anos desde que surgiu no mercado e essa incerteza mantém-se. Nunca fui adepto da criopreservação das células es- taminais por várias razões. Primeiro, se pen- sarmos que a criança na qual recolhemos as células vier a ter uma doença, tem alguma lógica que ela seja tratada com as suas célu- las estaminais? Colocando o caso das leuce- mias - que se presume que possam ser tra- tadas com estas células -, uma criança tem um património genético 'x' e tem uma leu- cemia e para a tratar vamos usar as células que têm o mesmo património? Deverá ser tratada com células estaminais de um dador compatível, com um património genético di- ferente. A segunda crítica é que nós conse- guimos tirar, emmédia, do sangue do cordão umbilical 30 ml. Para tratarmos uma crian- ça com 20 kg precisamos de ter 25 a 30 ml de sangue. Qual a razão para que se guar- de aquele sangue durante 20 anos - nessa altura a pessoa pesará muito mais. Aqui há outro logro. A terceira crítica é mais ética do que relacionada com a Biologia. Temos
mais: se o custo dessas políticas ou a desgraça do que vai ser o envelhecimento drástico da população, com cada vez menos gente nova a trabalhar para sustentar as pensões dos mais velhos. Portanto, convencer os portugueses a ter mais filhos é difícil. Logo, os imigrantes parecem ser a única solução. Há uns 15 anos, antes da crise, houve um aumento conside- rável do número de partos graças aos muitos imigrantes que viviam em Portugal. Porém, muitos deles saíram de país quando a econo- mia piorou. Como vê o futuro do SNS, sobretudo em re- lação à área da obstetrícia? Por muito que me custe admitir, o SNS está ameaçado. E é por culpa própria dos políti- cos, porque permitiram a abertura de muitos hospitais em regime de parcerias público-pri- vadas (PPP), em que obrigaram por contra- to a que 80% dos recursos humanos fossem do SNS, o que desnatou o próprio Serviço. Ofereciam condições salarias bastante me- lhores, o que fez com que muitos profissio- nais fossem para essas unidades, ficando os mais velhos, para quem a mudança não sig- nificava uma melhoria na carreira, e os mais jovens, que não tinham conseguido emprego nos hospitais PPP ou nos privados. Nos priva- dos paga-se muito mais do que nos públicos, mas vive-se à custa da ADSE, que pode ter con- tratos com privados, mas tem de ter regras muito bem definidas para não ser espoliada, através de, por exemplo, o recurso exagerado a exames que não são justificados. O nosso SNS é de grande qualidade e está entre os dez melhores do mundo. Mas os portugueses têm sempre a noção de que têm todos os direitos, mas não têm deveres. E, além disso, a política de saúde não está devidamente estruturada - e agora também me parece que será tarde. Em país nenhum da Europa, e muito menos nos EUA - onde 30% da população não tem qual- quer cobertura de saúde -, uma pessoa tem o direito de ir à urgência hospitalar sem ser devidamente encaminhada pelos serviços de saúde, retirando obviamente as situações de emergência. As pessoas não podem ir à ur- gência porque estão constipadas. Para dar o exemplo do Hospital de Santa Maria, cerca de um terço do orçamento é gasto na urgência. E isso não pode ser, não é sustentável. |
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AJUDOU A NASCER MILHARES DE BEBÉS Com mais de 45 anos como obstetra, Luís Graça estima ter feito mais de seis mil partos
as células guardadas e poderá haver outra criança que necessite delas, mas, por razões contratuais, não as poderá usar. Isto é algo de muito egoísta haver essa disponibilidade, mas o seu uso estar condicionado por um contrato. Aproveitando uma tecnologia cor- reta - de facto as células estaminais do ponto de vista da Biologia são pluripotenciais, e isto é concreto - introduziu-se no mercado uma coisa que não é concreta. Recorda-se porque escolheu a especialidade de obstetrícia? Eu queria uma especialidade que não lidas- se demasiadamente com doenças graves. Não queria ser oncologista, não queria ser passar a ir semanalmente. O meu pedido foi aceite e acabei por fazer a minha primeira cesariana no sexto ano, antes de fazer a úl- tima cadeira. Obviamente, fui ajudado pelo chefe de equipa, mas já tinha feito dezenas de partos, com ventosas, fórceps... Concorda que para aumentar a taxa de nata- lidade e equilibrar a demografianacional, os filhos dos imigrantes poderão ser decisivos? É a única maneira. Convencer um casal por- tuguês a ter três filhos - para se conseguir o equilíbrio da população, cada mulher teria de ter 2,1 filhos - eram necessários vários incen- tivos, como a mulher não trabalhar durante um ano, para além de incentivos económicos ao nascimento do segundo e terceiro filhos. Mesmo em países commaior riqueza do que a nossa estas são medidas difíceis, pois custam muito dinheiro. Resta saber o que vai pesar cirurgião geral... Quando es- tava no quinto ano da facul- dade era obrigado a passar 24 horas na sala de parto, a cada três semanas. Interessei-me e pedi para, ainda como aluno,
“O nosso Serviço Nacional de Saúde é de grande qualidade e está entre os dez melhores do mundo”
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